terça-feira, 28 de agosto de 2012

História do Piauí

Kenard Kruel em leitura de História do Piauí.

A história é como uma procissão

Claudete Maria Miranda Dias*

A história é como uma procissão: pode ser contada a partir do lugar onde se está na procissão. É a mesma procissão, vista de lugares e pontos de vista diferentes, havendo então distintas histórias, abordagens, enfoques, olhares, visões, interpretações sobre um mesmo assunto. Na vida é assim, contamos e escutamos histórias diferentes. O interesse do pesquisador tem a ver com a sua visão de mundo e com sua bagagem de leituras e pesquisas. 

A história do Piauí ainda na atual contemporaneidade, em pleno século XXI, permanece desconhecida para a maioria da população. A falta livros de história, gera enormes lacunas no ensino, seja básico ou superior, e na formação da identidade e da cidadania. Falta muito a ser pesquisado, divulgado, produzido e preservado nas mais diversas áreas do conhecimento científico e tecnológico. E mesmo considerando o avanço da produção histórica atual, durante muito tempo, fatos importantes da história do Piauí ficaram sob os escombros da memória.

Costumo dizer que é apenas a partir dos anos 1970 que a história do Piauí passa a ser mais pesquisada com mais sistemática e divulgada, bem como a Arqueologia e a Literatura. E com uma política de qualificação dos professores das Universidades em cursos de pós-graduação, que começou na década de 1980, resultou em inúmeras dissertações de Mestrado e teses de Doutorado e outras pesquisas, abandonando os tradicionais relatos históricos para investigar a escravidão, as lutas sociais, a religiosidade, a miséria e o cotidiano, a história das mulheres, o carnaval e da prostituição.

Em termos de memória histórica, o Piauí possui um dos arquivos públicos mais ricos do Brasil, devido ao seu acervo, composto de um manancial de fontes documentais manuscritas de vários períodos da história, dos séculos XVII ao XX, ainda intocados a espera de pesquisadores.

Pode-se dizer que este livro de História do Piauí, de Kenard Kruel e Gervásio Santos, soube aproveitar este rico manancial. Pode-se dizer também que o livro se propõe ser uma História Geral do Piauí. Organizado de forma distinta em duas partes, cada autor traça sua abordagem: a primeira parte mostra esta História, desde “os primórdios até a instalação da República”; e a segunda o autor monta uma narrativa biográfica dos governadores republicanos no Piauí, do primeiro até o atual. Uma proposta como esta supõe que os autores adotam a narrativa direta, simples e sucinta, para dar conta da delimitação que escolheram. Dessa forma o livro aborda fatos, acontecimentos, personagens e personalidades da historia do Piauí transmitindo as noções básicas e gerais da história política e econômica, fundamentais para o conhecimento de qualquer sociedade, e preenche uma lacuna na produção historiográfica piauiense. 

Temas como o extermínio dos nativos durante a colonização, as discussões tradicionais como o desbravamento dos sertões de dentro, a criação da capitania de São José do Piauí, a escravidão, a educação, a participação do Piauí nas questões nacionais como o processo de independência e a proclamação da República, entre outros temas, são abordados, de forma bem objetiva, na primeira parte do livro, por Gervásio Santos, numa síntese de um longo período histórico, abrindo trilhas para outros interessados em pesquisar e aprofundar o conhecimento histórico.

A história da República no Brasil é marcada por movimentos sociais e ditaduras, de eleições fraudulentas ao coronelismo rural, de grandes nomes e líderes. É uma história de mais de cem anos contada pelo Kenard Kruel, na segunda parte deste livro, com um fôlego de quem tem pressa para tirar a história política do Piauí do anonimato. Para isto ele traça um perfil dos governadores republicanos dentro do contexto no qual estão inseridos com dados que identificam aspectos de destaque da vida política de cada governador. Muitos deles estão identificados por fotografias e documentos inéditos encontrados em acervos familiares, dando um perfil de uma parte da história política do Piauí. 

Como historiadora, venho ao longo de minha carreira pesquisando a história social do Piauí, numa investigação voltada para as lutas sociais, como a guerra da colonização, que dizimou a população nativa do Piauí, bem como os movimentos sociais do século XIX, com destaque para a Balaiada, ainda hoje, 170 anos depois, muito pouco pesquisada e estudada.

Pode-se dizer que esta história se localiza do outro lado da história, vista das camadas populares o que quer dizer que se propõe a mostrar a história de homens e mulheres comuns em luta para se manter livre, como os nativos (índios), os escravos e a população livre que queria a independência do Brasil e se libertar da colonização portuguesa.

Pode-se dizer que é uma história que aborda outros aspectos, mas é a mesma história mostrada neste livro do Kenard Kruel e do Gervásio Santos. Só que estamos em lugares deferentes na procissão, por isto, mostramos a história de ângulos diferentes. O que não se pode mais é esconder que houve no Piauí durante a colonização uma guerra que despovoou toda a sua população nativa para dar lugar à sociedade escravista colonial, que a escravidão foi tão violenta como em todo o Brasil, que as lutas sociais deixaram marcas que os poderosos ainda hoje querem apagar, que a ditadura militar de 1964 praticamente não foi sentida porque ela já existia desde o século XIX, que a política republicana fortaleceu as oligarquias e coronéis, bem como não de pode esquecer que o Piauí é um dos estados brasileiros mais pobres, mas é onde se localiza os vestígios arqueológicos de povoamento mais antigo das Américas. Ou seja, o Piauí está inserido no mais amplo contexto da história e cultura brasileiras e que se recusa a continuar marginalizado.

Este livro cumpre esta tarefa importante e vem preencher uma lacuna por sistematizar de forma simples e direta, a História do Piauí.

Rio de Janeiro, 13 de Maio de 2009 – 121 anos da assinatura da Lei Áurea.

Claudete Maria Miranda Dias* Historiadora da Universidade Federal do Piauí/ Programa de Pós-graduação em História do Brasil. Mestra em História do Brasil. Doutora em História Social. Pós-doutora em História Cultural.

sábado, 14 de abril de 2012

Leonardo de Carvalho Castello Branco


Projeto aprovado, em 2009, pela Lei. A. Tito Filho, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, o livro Leonardo de Carvalho Castello Branco será lançado no dia 12 junho próximo, data de falecimento do revolucionário, poeta e inventor Leonardo de Carvalho Castello Branco (1873, no Sítio Barro Vermelho, perto da Fazenda Limpeza, de sua propriedade, no então município de Barras, na idade de 85 anos incompletos). É que, finalmente, depois de dois anos de espera, a Fundação Cultural Monsenhor Chaves está chamando os produtores contemplados na Lei A. Tito Filho para assinarem os seus contratos. A Editora Zodíaco já foi lá com toda a papelada, abriu conta no Banco do Brasil, e só espera a grana cair para levar o livro para ser impresso na Halley. Abaixo, texto de apresentação do livro feito pelo professor universitário (UFPI) e contista Airton Sampaio.

Luz sobre Leonardo 

O livro de Gervásio Santos, Leonardo de Carvalho Castello Branco, agora entregue à leitura de todos, é uma interessante abordagem sobre Leonardo de Carvalho Castello Branco que, como poeta, se assina Leonardo da Senhora das Dores Castello-Branco, o que é amiúde desrespeitado. Gervásio Santos, apesar de tratar de Leonardo como poeta, o faz rapidamente, uma vez que sublinha mesmo é a figura histórica do homem revolucionário, inventor e cientista. 

Este é, na verdade, o Leonardo menos desconhecido, o revolucionário-cientista-inventor. Já o poeta, épico e enorme, ainda está aí a desafiar a compreensão da modernidade, já que, à exceção de Lucídio Freitas, viu a sua poesia, enorme e épica, ser menosprezada, principalmente pela crítica posterior, injusta e até incompetente de Clodoaldo Freitas, que infelizmente rasgou o tempo e até hoje vige como uma espada de Dâmocles sobre uma obra literária que está a requerer a atenção de olhares mais responsáveis, profundos e menos desaparelhados que o de Clodoaldo, que julgou a poética leonardina a partir do próprio fazer literário.

Aliás, a equivocada apreciação do autor de Em roda dos fatos, talvez o mais influente intelectual do Grupo Acadêmico da Geração de 1900 no Piauí, se transformou, no que tange ao poeta de A Creação Universal, na famosa Maldição de Clodoaldo, prejudicando, sobremaneira, uma melhor avaliação da forte poesia leonardina.

Mas, historiador que é, tratar dessa poesia (ainda que lhe reconheça o alto valor estético), não é, neste livro agora dado a público, a preocupação central de Gervásio Santos. Trata ele mais de perto, como já disse, do Leonardo de Carvalho Castello Branco que entrou para a história sem o acomodamento e o apego ao poder característicos da família de que traz o sobrenome, e só esse desvio de conduta de um clã latifundiário e matador de índios já seria uma distinção muitíssimo importante. Mas não. Gervásio Santos mostra que, na tumultuada primeira metade do século XIX, Leonardo deixaria suas pegadas em movimentos contrários a diversas ordens rigidamente estabelecidas - foi independente quando o Norte do Brasil, num desses acordos que até hoje soem acontecer, estava destinado a permanecer sob o jugo português; foi republicano em plena monarquia e partícipe da Revolta de 1824, que ficou mais conhecida na história nacional devido à figura radical (no bom sentido) de frei Caneca; foi cientista e inventor numa época, e principalmente num lugar, plenos de pensamento mágico. 

Não sei se o leitor terminará a leitura mais ou menos apaixonado por essa figura polêmica que é Leonardo de Carvalho Castello Branco. O certo é que não ficará indiferente. E como o que mais dói num autor é a indiferença da recepção, creio que este livro de Gervásio Santos, Leonardo de Carvalho Castello Branco, cumpre bem o seu papel: iluminar, um pouco que seja, a escuridão adredemente forjada em torno desse homem impetuoso e barroco que é Leonardo, um Castello Branco às avessas, como restará demonstrado a quem tiver o prazer de ler.

Valeu, Gervásio!

Airton Sampaio
Escritor e professor universitário

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Torquato Neto ou a carne seca é servida


Os doze trabalhos de Kenard Kruel

Durvalino Couto Filho

Conheço o Kenard Kruel há mais de 30 anos, desde quando ele chegou de Parnaíba, em 1977, magrinho, franzino, logo escrevendo nos jornais de Teresina - O Estado, O Dia, Jornal do Piauí, Jornal da Manhã, Correio do Piauí, Jornal de Serviço e aqui fazendo o seu O Cobaia, mimeografado. Ele que já vinha de uma experiência nos jornais de lá - Folha do Litoral e Norte do Piauí, além do mimeografado Batalha do Estudante, que editava no Colégio Estadual Lima Rebelo, de onde foi expulso.
De lá para cá, foram muitas empreitadas, muitas jornadas, jornais, suplementos, revistas, livros, shows, manifestos, seminários, congressos, encontros, salões, debates, brigas e mil confusões que fazem de Kenard Kruel uma figura ímpar.
Eu sempre comento com os amigos que talvez a maior qualidade do Kenard Kruel seja o fato de ele ser um grande arregimentador, um incansável tarefeiro cultural. Já se tornou uma legenda a figura de Kenard Kruel sempre apressadíssimo, agora grandão, pesadão, com pastas e papéis debaixo do braço, entrando de rompante nos salões, terraços, redações, agências, palácios governamentais, sempre com uma nova empreitada por fazer. Pode demorar, mas dá conta do recado, porque não abandona nunca a ideia (fixa).
O Kenard Kruel é um louco.
O Albert Piauí, confessadamente o seu melhor amigo, já se intrigou com ele umas sessenta vezes, e perdi a conta dos fantásticos Salões de Humor que os dois organizaram, trazendo a Teresina figuras como Angeli, Ares (Cuba), Borjalo, Biratan Porto, Clériston, os irmãos Caruso (Paulo e Chico), Cláudio Oliveira, Cláudio Paiva, Edgar Vasques, Glauco, Jayme Leão, Jaguar, Jorge de Salles, Lailson, Laerte, Lapi, Lor, Mino, Millôr Fernandes, Mariano, Márcia Braga (Z), Nani, Otto, Reinaldo, Sinfrônio, Ziraldo, Zélio Alves Pinto e outros grandes humoristas do traço brasileiro. Sem falar de mil outras realizações, como a de criar, também, a Fundação Nacional do Humor, que Albert Piauí preside desde então.
Kenard Kruel é polêmico, intempestivo e carinhoso. Cuida com competência dos seus projetos e também arregaça as mangas para tocar os projetos dos outros. Nunca se omite. E é um dos mais entusiasmados, até parecendo que defende a própria cria. E nada quer em troca. Kenard Kruel é o sujeito mais solidário que conheço.
Agora tenho em mãos esta imensa pesquisa que ele fez sobre Torquato Neto. Confesso que discordei frontalmente dele quando começou a fazer este trabalho. Ele havia me mostrado um dos primeiros poemas de Torquato Neto, entusiasmado. Fui ver, era um poemeto de menino, que Torquato Neto havia escrito, num remoto dia das mães, para a Dona Salomé. Eu fiquei puto, falei que publicar aquilo era uma aberração, que Torquato Neto rasgaria a relíquia se vivo fosse, que Kenard Kruel esquecesse e tal. Mas hoje tenho em mãos um trabalho gigante, obstinado, bem documentado - e o que é melhor - cheio de inéditos de e sobre o anjo torto da Tropicália.
Kenard Kruel fez um levantamento minucioso da biografia de Torquato Neto desde os bisavós, os avós, os tios, os primos, colheu depoimentos de velhos amigos; resgatou inúmeros textos, como o que Torquato Neto escreveu, aos vinte anos, sobre Arte e Cultura, no jornal O Dia, em  fevereiro de 1964, e poemas inéditos, como você verá; desencavou documentos que, com certeza, irão encher os olhos dos milhares de torquateiros espalhados por esse Brasil-mundo afora.
Posso dizer mesmo que o trabalho de Kenard Kruel, tal como se apresenta , é fundamental para todos aqueles que querem aprofundar seus estudos e conhecimentos sobre a não-obra deste poeta inquieto, sempre marginal, de nosso país.
Por isso mesmo, não gostaria de tecer mais considerações sobre Torquato Neto. A diagramação é do próprio Kenard Kruel, um faz tudo, com capa do nosso Paulo Moura, artista gráfico de mão cheia. Um outro talento raro. Raríssimo, se me permitem!
O livro que você tem em mãos está cheio de preciosas novidades sobre sua vida e sua produção descontínua e abundante.
Nesta edição, a terceira, conta com revisão de Dodó Macedo, que eliminou erros de toda espécie, inclusive dando nomes aos ilustres até então desconhecidos. Foram acrescidos novos trabahos, novos poemas canções, novas fotos, e Kenard Kruel, ainda assim, me confessou que tem material para fazer um outro grande livro.
Dinâmico, já se prepara para nova edição deste seu / nosso Torquato Neto ou a Carne Seca é Servida, com novo formato, mais fotos e textos inéditos. É um bom sinal, que corrobora o que disse Leminski sobre Torquato Neto: um homem sem obra, como Buda, Confúcio, Cristo. Obra desencavada pela obstinação da história e de pessoas como Waly Salomão, Ana Maria, Georde Mendes, Paulo José Cunha, Fifi Bezerra, Edwar Castelo Branco, Toninho Vaz e, notadamente, Kenard Kruel, para quem a voz do poeta não cala e não cessa. Olhos à obra.
Kenard Kruel, grande tarefeiro e velho amigo, é um prazer lhe dizer, com orgulho: missão cumprida.